Saturday, February 02, 2008

Desejo e Reparação


Se um livro comum já é difícil de ser transposto para o cinema, um livro metalingüístico é ainda mais difícil. Ou altera-se o DNA original da história, trocando as auto-referência literárias por auto-referência cinematográficas (transformando um escritor em cineasta, por exemplo), o que pode arruinar o roteiro, ou faz-se como em "Desejo e Reparação".

O filme que conta a história de uma inventiva e promissora menina, que desde pequena já demosntra um incrível talento para escritora e por causa de uma paixão infantil arruina a vida e o relacionamento amoroso de sua irmã, faz referências literárias a todo momento e provoca uma sede por leitura, em especial do romance "Reparação", de Ian McEwan.


Cada cena contem o vigor de uma página literária e a narrativa nos conduz delicadamente a cada novo acontecimento e descoberta, propiciando surpresas dignas de um bom livro. A fragmentação do tempo, usada pelo diretor Joe Wright, nos conduz ainda aos diferentes pontos de vista, de acordo com cada personagem. Parece existir um narrado oculto que falha, erra, se arrepende e volta atrás. Nem tudo é real, nem tudo é o que parece, e isso o filme vai mostrando até a última cena.


Outra característica forte da presença literária é o envolvimento com os personagens. Embora o casal de protagonistas não nos permita um envolvimento maior, o sofrimento de ambos é transmitido para o espectador. E sem dúvida, a maliciosa Lola provoca raiva e a malvadinha Briony provoca raiva, desconfiança e até um pouco de pena.


Grande parte do mérito do filme e desse clima vem da trilha sonora. A forma como a trilha diegética (que faz parte da cena) torna-se incidental (que os personagens não ouvem na cena) e vice-versa, em especial com os sons de máquina de escrever, ajudam a nos transportar para as páginas de um romance filmado.



É perceptível, porém, que perde-se, na versão cinematográfica, a sutileza com que o tempo e os acontecimentos passam no livro. Coisas de adaptação. Mas nada que tire a beleza literária de uma obra cinematográfica que homenageia seu original ao invés de deturpá-lo.

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