Tuesday, October 10, 2006

Nas Profundezas da Vogue

Pode soar estranho, mas o maior mérito de “O Diabo Veste Prada” talvez seja o fato de o filme se levar a sério. Para falar da maior revista de moda do mundo e dessa indústria que movimenta bilhões, o diretor David Frankel acertou ao não ridicularizar o seu tema.
Na trama, a desajeitada Andrea é uma jornalista recém-formada sem nenhum senso de estilo que resolve tentar o emprego de assistente da editora-chefe da maior revista de moda do mundo. A intérprete, Anne Hataway, não acrescenta muito, apenas repete sua já conhecida fórmula de “patinho feio que vira cisne”, como em “O Diário da Princesa”. Acaba servido de ponte para Meryl Streep brilhar.
No papel da temida e egocêntrica Miranda Priestly, a atriz arranca gargalhadas com o jeito calmo, inabalável e onipotente da personagem, que assim como o enredo, é baseada no livro de mesmo nome, escrito pela ex-assistente de Ana Wintour, editora da “Vogue”. Ou seja, o que vemos na tela nada mais é do que uma versão exagerada da redação e dos bastidores do poder da imprensa de moda.
Calcado nesta realidade, fica mais fácil esquecer o romance clichê e as situações senso-comum para se divertir com as trapalhadas de Andrea e o conflito de viver para o lado profissional e esquecer o pessoal. É aí que entra a discussão mais interessante do filme: a ambição pela fama e poder. O caminho escolhido é melhor do que o que discutiria a futilidade dos ricos e bem-sucedidos empresários do ramo.
Em uma das cenas mais memoráveis, Andrea ri quando uma estilista fica em dúvida entre dois cintos muito semelhantes. Miranda, irritada pelo deboche sobre sua profissão, dá uma lição na assistente, explicando que quando ela vestiu o estranho suéter largo de manhã e pensou que estava alheia à moda, ela estava usando um produto escolhido pela revista para uma coleção de anos atrás, que depois de passar por muitas etapas, foi parar no brechó onde ela o achou.
O filme acaba mostrando também o poder feminino no dia de hoje. Os homens retratados são fracos e secundários mesmo quando são bem-sucedidos, mas ainda assim sentem-se superiores. Como quando Andrea diz a um jornalista que se Miranda fosse um homem, só falariam de sua competência e não do seu jeito durão.
Usando uma trilha sonora pop e muitas cores, luzes e figurinos caprichados ( e milionários ), “O Diabo Veste Prada” cai no final moralista e na lição de que o dinheiro não traz felicidade. A história é bobinha e não traz nada de inovador, mas ainda assim vale pela curiosidade de saber um pouco mais do que está por trás de tanto glamour e dinheiro e pelas piadas divertidas e leves. Melhor que “Sessão da Tarde”, mas sem chegar ao horário nobre.

Confira abaixo o ranking dos filmes vistos pelo TeleCinese no Festival do Rio 2006 e as notas de cada um:

Saturday, October 07, 2006

Incompreensão humana


Na Bíblia, a torre de Babel foi construída pelos descendentes de Noé e foi castigada por Deus, que fez com que cada um falasse um idioma diferente. Assim, ninguém se entendia dentro dela. É Babel que dá o nome ao filme de Alejandro Gonzalez Iñárritu, onde a incompreensão é um dos temas principais.
Usando o mesmo estilo que o consagrou, o roteirista Guillermo Arriaga ( de “21 Gramas” ) usa histórias desencontradas que se cruzam no final. O enredo é construído mostrando um mesmo tiro que atinge a vida de um casal americano, uma babá mexicana, uma família marroquina e uma adolescente e um pai japoneses. Mesmo que a ligação com a história soe um pouco forçada no último caso, o resultado não ficou comprometido.
Mais do que turistas americanos tentando falar inglês no Marrocos ou uma jovem surda-muda tentando ter uma relação amorosa, a incompreensão do filme é mais subjetiva, vem da alma de cada personagem.
O filme ainda traz um bom paradoxo com a diluição de fronteiras, aproximando cantos do mundo numa subversão do espaço físico, mas totalmente possível nos dias de hoje – e sem mencionar a Internet.
Brad Pitt e Cate Blanchet fazem atuações sóbrias na medida que o filme pede, Gael Garcia Bernal aparece quase inutilmente ( apesar de boa atuação, o personagem é quase dispensável ) e os atores desconhecidos dão a credibilidade que marca o tom de Babel.
A atmosfera pesada estende-se por todo o filme, mas é minimizada por um final esperançoso. Ao fim, tem-se a impressão de que ninguém está falando a mesma língua. Por mais que se entenda as palavras, a compreensão depende de muito mais.

Wednesday, October 04, 2006

A sutileza de uma guerra


Um dos conflitos mais duradouros da história mundial, a briga entre irlandeses e o grupo radical IRA, pode ser explicado em sua origem nesse filmes.
Através da história de uma família camponesa do interior da Irlanda, o diretor Ken Loach mostra a arrogância e as atrocidades do exército britânico dentro da Irlanda, que leva dois irmãos a se juntarem a amigos para lutar contra a ocupação inglesa no país.
A relutância inicial do jovem médico Damien em fazer parte do movimento pela independência, transforma-se em obstinação e coragem que o leva a correr riscos e a lidar com o sofrimento pela perda de seus companheiros.
O filme causa uma aflição constante em ver os guerrilheiros sendo presos ou as mulheres – entre elas muitas idosas – sendo humilhadas e agredidas pelos oficiais. Essa aflição torna-se maior quando imaginamos que a realidade muitas vezes correspondeu a essa ficção.
Com um elenco afiado, ótima fotografia e uma direção primorosa, “The Wind That Shakes the Barley” faz jus à Palma de Ouro conquistada em Cannes, não só pela qualidade do roteiro e da produção, mas pela importância do tema e o modo como ele foi retratado na tela.
Mesmo que pensa para um lado, Ken Loach evita julgamentos e constrói seus argumentos na sutileza do vento que balança as plantações de cevada.

Sunday, October 01, 2006

Para chegar ao paraíso


Para filmar “O Céu de Suely”, o diretor Karim Aïnouz levou os atores para uma pequena cidade do Ceará onde o filme se passa, deu aos personagens os nomes de seus intérpretes, confiscou as roupas do elenco ( deixando apenas os figurinos ) e os obrigou a passar dois meses morando no lugar onde a trama se desenvolve.
O resultado foi um realismo incrível que aliado a uma boa história contada de modo competente, resulta em um belíssimo filme. Nele, a jovem Hermila deixa São Paulo e volta para sua pobre cidade-natal com um filho a tiracolo, esperando pelo marido que nunca volta. Desiludida, ela logo percebe que precisa deixar o lugar novamente e para conseguir dinheiro, rifa o próprio corpo por uma noite.
No lugar de um filme pesado, o diretor apresenta tudo de uma forma suave e em certos momentos quase romântica, mas ainda assim crua. Faz um jogo de esconder e mostrar que quebra um pouco a narrativa, dando a possibilidade de a imaginação do espectador também trabalhar.
No decorrer do filme, os personagens vão tomando forma e a história envolve de maneira que só um elenco de tirar o fôlego consegue com tanta perfeição. A realidade mostrada na tela chega a ser surreal para boa parte do público, mas é encarada com tanta naturalidade que torna-se compreensível.
No meio de tanta qualidade, a fotografia consegue se destacar ainda mais, fazendo jus ao seu realizador, Walter Carvalho. Não só os atores, mas a desconhecida e castigada paisagem nordestina surge de uma forma a encher os olhos.
Nas palavras do diretor, “O Céu de Suely” é um filme sobre a sutiliza da alma humana e a conclusão a que se pode chegar é exatamente essa.