Friday, July 21, 2006

Sem pudor

Transamérica ( EUA, 2005 )
Dirigido por Duncan Tucker

Comédias sobre transexuais ou qualquer outro gênero sexual diferente da maioria tendem a resultar em filmes pobres e medíocres. Mas esse não é o caso de “Transamérica”, uma feliz exceção.
No ‘road movie’, a transexual Bree descobre que tem um filho duas semanas antes de realizar a operação definitiva de troca de sexo e a condição imposta pela psiquiatra para que ela autorize a operação é que Bree vá conhecer e ajudar o filho desconhecido. Começa então uma viagem de carro de Nova York a Los Angeles onde os dois vão se conhecendo, sem que ele saiba que aquela mulher que se passa por missionária cristã é na verdade seu pai Stanley, que ele nunca conheceu.
O grande trunfo do diretor é dosar comédia e drama no tom certo. Os risos dos espectadores são contidos, não escancarados, assim como as situações do filme. Os momentos mais pesados não são suavizados por artifícios, mas sim pela realidade, já que entende-se que aquilo ali é comum dentro do contexto.
Os personagens vivem vidas outside, ela com um sub-emprego em um restaurante mexicano, ele com um passado de garoto de programa e vislumbrando uma carreira no cinema pornográfico. O que os une é a dificuldade de enxergar-se de verdade, o que precisa ser feito para que os outros os enxerguem.
Observar a relação dos dois sendo construída é talvez um dos pontos mais interessantes, a medida que Toby vai conhecendo e confiando em Bree, que oferece o cuidado que ele nunca teve. Sem perceber, os personagens vão adquirindo sentimentos típicos de pai e filho. Em certos momentos, é mais interessante observar a cabeça de um “menino perdido” de 17 anos, que alheio a convenções e normas da sociedade, confunde sentimentos fraternos com sentimentos quase incestuosos, resultado de seu passado de abuso e prostituição.
Felicity Huffman faz uma interpretação assustadoramente real que lhe rendeu a indicação ao Oscar de Melhor Atriz. Ela passa anos-luz da interpretação ok da vencedora Reese Whiterspoon, mas isso aumenta ainda mais o sentimento de exclusão da sociedade que a personagem tem. E o novato em cinema Kevin Zegers cumpre bem seu papel, mas fica um pouco escondido atrás da beleza.
Para dar certo, o filme precisava despir-se de todos os pudores. E é o que acontece. O diretor não se preocupa em mascarar nada e compõe os ambientes de modo que uma história underground não se torne um filme incômodo ou pesado. Mais do que o encontro entre um pai transexual e um filho problemático, “Transamérica” é o encontro de duas pessoas incompletas que precisavam se conhecer para encaixar a peça que faltava no quebra-cabeça.