Saturday, April 08, 2006

Brilho Eterno de um Sonho

Código 46 (Code 46; EUA/2003)
Dirigido por Michael Winterbottom

“Código 46”, exibido pelo Telecine Premium nesse Sábado, poderia ser aquele filme-pipoca de ficção científica sobre um futuro com clones e leis de restrição que contrariam qualquer luta pela liberdade vivenciada na nossa contemporaneidade. Mas não é.
O enredo, apesar de falar sobre uma paixão entre um investigador e sua principal suspeita, traz um elemento recorrente de produções recentes, mas que aqui aparece camuflado entre outros elementos: a memória. No filme, os dois protagonistas têm as memórias apagadas parcialmente em momentos distintos. Faz parte dos métodos utilizados pelo governo para controlar a população.
“Odisséia”, a clássica aventura de Ulisses pelos mares, demonstra que na Antigüidade, a memória era um item de grande valor. Era com ela que as pessoas contavam as histórias fascinantes que as permitiam por exemplo, se hospedar na maioria das novas terras que visitavam. Em tempos em que não havia modo de registro como gravações, as lembranças eram uma riqueza inigualável.
Em filmes como “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” (de Michel Doungry, 2004) e “Vanilla Sky” (de Cameron Crowe, 2001), as pessoas pagam para apagarem parcialmente suas memórias. Se vêem no direito de influir no cérebro a fim de apagar aquilo que deseja. E ao que conduz o roteiro de ambos demonstra o medo que existe das conseqüências que isso poderia causar. Confusões mentais suficientes para levar a transtornos sem fim.
O futuro em “Código 46”, determina, assim como em “A Fortaleza” (de Stuart Gordon, 1993), que os nascimentos serão controlados. Em um mundo onde muitos nascimentos são resultado de clonagem e fertilizações in vitro, o que remete ao livro “Admirável Mundo Novo” (de Aldous Huxley, 1933), a população foi proibida de se relacionar com qualquer um que tenho pelo menos 25% de genes compatíveis e a violação disso significa infringir o tal código 46.
Essa é a representação da idéia de futuro como um lugar frio, sem relações de afeto, com total controle do governo, que através das novas tecnologias, mantém a ordem e exclui quem não se encaixa no padrão determinado de perfeição. É o medo de que as coisas tomem tamanha dimensão que os grandes milionários se unam para dominar nossas mentes e ações.
O filme de Michael Winterbottom, com Tim Robbins como protagonista, acaba com a esperança de se livrar da “matrix”, de viver livre, feliz e pleno. Conduz tudo friamente, e a relação sexual calorosa é explicada por uma interferência da ciência no corpo da protagonista. A estética é de um sonho constante, presente também no texto, através da narração da personagem de Samantha Morton, que faz referências a um sonho constante que está inteiramente relacionado aos acontecimentos.
O filme não se explica bem, não se desconstrói. Conduz a uma narrativa embaçada, confusa, produzindo no cérebro efeitos semelhantes ao que uma intervenção no subconsciente poderia causar.

1 comment:

Anonymous said...

Phil, tá muito bacana esse texto. É realmente interessante a proposta de diálogo que o filme faz com outros filmes e livros. Lembro de ter saído completamente desolado do cinema quando vi "Código 46". Frequentemente tenho medo do mundo real depois de sair de uma sala de cinema. Dessa vez, apesar de todo o caos no lado de fora, eu temi aquele futuro cinematográfico (talvez eu esteja sendo ingênuo e não perceba que esse "futurö" é, na verdade, o nosso presente). Mais uma vez, parabéns pelo texto. Abração!